Todo concurseiro sofre
Num país em que as desigualdades sociais são gritantes e a iniciativa privada trabalha em regime escravocrata, o serviço público parece ser uma das poucas possibilidades democráticas de mudar nosso padrão de vida.
Entretanto, a concorrência é milenar e está longe de ser fácil. Olheiras, poucas horas de sono, pesadelos com a Carlos Chagas cobrando na prova aquela vírgula que você esqueceu de decorar, isolamento, são alguns dos sinais que você está realmente estudando.
A mulher, por sua vez, podemos ainda acrescentar o processo de embarangamento que sofrem.
A concurseira inicia seus estudos bonitinha, magrinha, provavelmente no meio da faculdade de Direito, em que ainda é possível ter tempo livre. As semanas vão passando, as provas chegando e ela percebe que o tempo versus demanda de estudo não são proporcionais. Idas ao salão de beleza são canceladas, à academia virou lenda, fim de semana é algo do passado e nada na vida mais importa: CESPE, FCC, ESAF, PROVA e GABARITO são as poucas palavras que você conhece na vida, comer tornou-se sua única alegria. Ela que era uma gatinha, tornou-se uma baranga.
(Ao lado, baranga)
O concurso vira sua obsessão, quiçá, sua própria vida, torna-se maior que você mesmo.
O esposo de uma amiga, um concurseiro já vitorioso, porém, ainda obcecado, estava em Roma com ela, a mãe e outras pessoas. Como o bom espírito nerd concurseiro de ser manda, ele estava com sua mochila onde guardava todos os bens necessários para uma jornada turística em outro país. Quando todos encontraram uma paradinha de camelôs italianos, o pessoal analisando os relógios e coisa e tal, abruptamente vem chegando a polícia e os comerciantes ambulantes batem em retirada. Meu casal amigo sem saber o que fazer com os relógios nas mãos, pensam logo em sair correndo para devolvê-los ou escondê-los dentro das bolsas. Eis que em pleno desespero em terras mediterrâneas, entre polícia e camelôs ilegais, com produtos contrabandeados nas mãos, minha amiga querendo escondê-los na mochila do marido, ele exclama:
_ NA MINHA MOCHILA NÃO! SE EU FOR PRESO AQUI, EU NUNCA MAIS POSSO SER JUIZ! ARRUME OUTRO LUGAR PARA COLOCAR ISSO! QUE MINHA MÃE SEJA PRESA, MAS EU NÃO!
Eu, por ‘minha’ vez, concurseira estudante e, por conseqüência, com ínfimos recursos pecuniários, estava em Fortaleza – Ceará com mais dois amigos na mesma situação. Concurseiro que é concurseiro sempre descola um lugar para ficar e nessa viagem acabamos hospedados pela família da minha amiga, pessoal super simpático por sinal. Acontece que estávamos em pleno feriado de dia das crianças, a tia da minha colega queria porque queria comprar um presente pro filho e ainda por cima levar todo mundo para dar um passeio. Lá fomos nós, onde eu vi se abrirem as portas do inferno: pleno meio dia, calor de 40ºC, centro de Fortaleza, crianças por todos os lados, cearenses por todos os lados (me desculpem, mas cearense tem cara de cearense!!!! Assim como paraibando tem cara de paraibano 'visse'? rs), um povo feio danado, todo mundo suando coletivamente e a gente lá com o pensamento “AI JESUS, COMO EU QUERIA IR PARA CASA ESTUDAR! COMO É MESMO AQUELE ARTIGO QUE FALA DO JULGAMENTO PRIMA FACIE?”. (O cearense Tiririca arrasando no Resolva-se)

À noite fomos procurar a alternativa mais viável ($) para fazermos uma refeição. Encontramos uma pizzaria simpática. Ao adentrar no recinto, logo percebemos que todos estavam assistindo jogo de futebol. Até aí tudo bem. A pizza família custava, salvo engano, uns 20 reais COM refrigerante, foi aí que começamos a nos preocupar. Quando o pessoal começou a gritar loucamente devido ao acontecimento esportivo, além de nos preocupar, começar a ter medo dos ânimos exaltados dos outros clientes. Ao menos as opções de sabores eram únicas: pizza de milho verde, de batata palha, de batata palha com calabresa, entre outros. Uma coisa não há como negar, o atendimento era VIP. Já ao sair, como havia sobrado bastante refrigerante, pois tínhamos pego uma boa promoção, tive a capciosa idéia de levar o restinho para casa, sorrateiramente para ninguém perceber. O garçom percebeu e gritou a uns sete metros de distância atravessando toda a área do restaurante:
_MOÇA, QUER UMA SACOLA PARA LEVAR A COCA NÃO? Eu respondi, eloquentemente também a sete metros:
_ NÃO, OBRIGADA, LEVO NA MÃO MESMO!
Ele insistiu, gritando
_ TEM CERTEZA? VOLTE SEMPRE!
Não voltamos não. Mesmo dormindo no colchão inflável (entre outros sofrimentos) no fim das contas, acabou sendo muito divertido, conheci a praia do futuro, o dragão do mar e ainda tomei chopp de vinho, ô saudade! Ô terra boa é aquele Ceará!
E assim é nossa vida: uma suave (ou não) via crucis.
O mais engraçado é que depois da prova, você descansa uns dois dias e depois sente saudade de estudar!
Tem também a história do TRT de Minas, em que reservei pela internet um hotel chamado boa viagem que de boa viagem não tinha nada! Conto depois!
Beijocas e Glamour,
LB na web - Resolva-se!